Ciclos da Renda do Agro e Cenário Atual
- lourenobudke1
- 30 de set. de 2024
- 6 min de leitura
O que os fatos do passado podem nos dizer sobre o futuro?
O filósofo David Hume chegou a afirmar que “o sol não nascerá amanhã”, como argumento para a sua tese de que a simples crença em resultados ou fenômenos anteriores não é prova de que irão se repetir.
Não discordo do argumento cético de Hume, especialmente nesta era de mudanças climáticas, mas também é fato que os ciclos que alternam prosperidade e frustração na atividade agrícola remontam a tempos bíblicos, quando José interpretou o sonho do Faraó, onde 7 vacas magras e feias comiam 7 vacas gordas, e 7 espigas mirradas devoravam 7 espigas boas.
Mas como medir e evidenciar a magnitude dos altos e baixos da renda do Agro e avaliar o que vem pela frente?
Neste mês de setembro, conversando com produtores de MS, MT e GO, ouvi desde estratégias de venda de terras para pagar os financiamentos a “juro caro”, passando pelo abandono e reconversão de áreas para pecuária, até a mobilização para busca de medidas para o “endividamento” (nova Securitização?) junto ao Governo.
Analisar a situação a partir de planilhas de custos médios não nos diz muito. Hoje as principais atividades continuam superavitárias, porém muitos produtores enfrentam problemas, causados por históricos de gestão e de frustração por eventos climáticos muito diversos. Temos o paciente (Agro) com a temperatura “normal”, mas os pés estão no forno e a cabeça na geladeira.
Um indicador (indireto) para a Renda do Agro
Parece inequívoco acreditar que, se tudo está correndo bem, havendo sobras, lucro, superávit, este será investido em novas áreas de cultivo. Mesmo que parte desse resultado nos anos de vacas gordas seja aplicado em outras empresas, nosso produtor rural tende a ampliar sua atividade agrícola, inclusive como forma de manter a competitividade com ganhos de escala.
Também é simples entender que a área de soja nos dá essa dimensão, pois domina a safra de verão e “puxa” os demais cultivos de grãos em sucessão de safrinha e inverno. Outro aspecto importante nesse indicador indireto da renda do Agro (variação da área de soja) é o fato de que nossos maiores concorrentes (EUA e Argentina) não possuem grandes áreas para expansão.
Ou seja, apenas o Brasil tem respondido ao mercado com aumento consistente de oferta mediante ampliação das área de cultivo.
Testamos o indicador e, bingo! Propomos a leitura do gráfico que ilustra este artigo em 4 fases:
Fase 1 - Inflação: no período dos sucessivos Planos Econômicos para controle inflacionário, desde o Plano Cruzado em 1986 até 1994, houve alternância entre elevações e reduções de área a cada 2 anos!
Nesses tempos de remarcação de preços, trocas de moeda e “cortes de zeros” as planilhas de custos e os fluxos de caixa dos projetos eram convertidos em Dólar, já que o valor real das moedas da vez era corroído rapidamente pela inflação “galopante”. Melhor nem lembrar...
Fase 2 – Plano Real: sofrendo os efeitos do período inflacionário anterior e do descasamento monetário entre preços dos produtos e correção monetária dos financiamentos, o Agronegócio foi a “Âncora do Plano Real” e, desde então, permanecemos com a mesma moeda.
Ao pagar a conta dos ajustes que estabilizaram a economia o Agro necessitou de medidas como a Securitização das dívidas e o Plano Especial de Saneamento de Ativos (PESA) para, após 3 Safras de redução da expansão, iniciar novo ciclo de crescimento.
A Crise Cambial de 1999, quando houve uma pequena redução de área, acabou por beneficiar o longo período de expansão posterior, após a desvalorização do Real com o estabelecimento do regime de câmbio flutuante.
Fase 3 – Grito do Ipiranga: após uma expansão de quase 3 milhões de hectares na safra 2003/04, “do nada” (será?), os preços da soja despencaram em 2004, depois da devolução de alguns barcos pela China.
Fato é que, a exemplo do ciclo de baixa anterior, foram 3 Safras de redução do ritmo de expansão, culminando com uma redução recorde de 2 milhões de hectares em 2006/07.
Após a manifestação dos produtores em Brasília, que ficou conhecida como o “Grito do Ipiranga”, porquanto iniciada em Ipiranga do Norte MT, foram autorizadas prorrogações e renegociações de dívidas que, vencidas por muito tempo, causaram impacto significativo na capacidade de tomar novos financiamentos. Sobre o efeito das prorrogações veja o artigo sobre Risco de Crédito, Inadimplência e Prorrogações.
Fase 4 – Atual, desde PSA China: a Peste Suína Africana (PSA), que em 2018 reduziu o rebanho chinês em 60%, causou um choque na demanda não só de carnes, mas também de soja e milho, tendo em vista a mudança do sistema de produção de suínos na China.
Os porcos, maioria criados até então em fundo de quintal, se alimentavam de restos de comida ou “lavagem”, passaram a ser criados em mega pocilgas verticais (prédios de mais de 20 andares). Os animais criados nessas instalações passaram a exigir ração fabricada com soja e milho.
Isso jogou os preços nas alturas, e a área de soja teve novo impulso de expansão em 2020, com repique de alta em 2022, efeito do choque de oferta causado pela Guerra na Ucrânia e a frustração de safra na Argentina e no Sul do Brasil em 2021/22.
Esses fatos extraordinários recentes causaram um novo período de euforia de 2020 até 2022, semelhante ao ocorrido de 2001 até início de 2004.
Três anos sucessivos de bons preços e margens elevadas, que chegaram a 100% em 2021/22, também puxaram a alta dos insumos. Mas com a derrocada dos preços a partir do final de 2022 a situação se inverteu, refletindo na redução do ritmo da expansão em 2023/24.
Cenário Atual
Hoje temos um cenário de curto prazo onde os EUA prometem uma boa safra e, se tudo correr bem com o início das chuvas para o plantio no Brasil, os preços devem recuar ainda mais.
Ou seja, se tudo der certo pode piorar. Os mercados futuros (cotações em US$) já precificam a elevação dos estoques e estão invertidos pelo terceiro ano consecutivo!
Sem contar o Dólar que, a considerar a tendência de queda dos juros americanos, deve seguir ladeira abaixo, puxando os preços da soja em Reais.
Se apenas o Brasil tem áreas para ampliação do cultivo e da oferta, também é verdade que o motor da demanda nesses últimos 20/30 anos foi a China. Porém a China estancou! Depois de transplantar o equivalente a uma população brasileira da miséria para a classe média, com crescimento de dois dígitos, a China está com dificuldade de cumprir a meta de crescimento de 5% em 2024.
Ainda do lado da demanda, menos mal que temos a possibilidade do uso alternativo para geração de energia automotora, os biocombustíveis, que criaram um “piso de preços” para a soja e, mais recentemente, para o milho.
No caso da soja, matéria recente do Valor afirma que a “demanda por biodiesel deve crescer quase 50% em dez anos”, devido à mistura de 15% ao óleo diesel, porém alerta sobre as suas limitações tecnológicas “que impedem percentuais mais elevados de adição”, como seria possível com o diesel verde.
Sobre a oferta, a questão agora é saber quantos anos de redução do ritmo de expansão de área serão necessários para afetar os preços com intensidade suficiente para que o ciclo de aumento da renda possa retornar.
Os números mais recente da Conab dão conta de que ainda teremos uma expansão da área de soja na ordem de 3% na Safra 2024/25. Outros agentes estimam algo em torno de 2%, sinalizando aumento da oferta para o mercado, bem como o fato de que, para muitos, as margens estimadas ainda são remuneradoras.
Mas para outros, especialmente aqueles alavancados com recursos “de mercado” ou onerados pelo arrendamento das terras, a expectativa de faturamento não cobre a totalidade dos custos.
Conforme escrito no Gênesis 41:14 a 36, além de interpretar o sonho, informando ao Faraó que haveriam 7 Anos de fartura seguidos por 7 anos de fome, José também receitou a solução que se revelou efetiva: “ponha administradores sobre a terra”, que “ajuntem a colheita dos bons anos que virão e o guardem”, para “abastecer a terra nos sete anos de fome”.
Em todos os ciclos há os que guardaram durante os anos de vacas gordas e aproveitam as oportunidades que surgem nos anos de vacas magras.
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